O atual governo anunciou, no final de abril passado, que estudava aumentar o percentual de etanol (álcool) que é misturado à gasolina, de 27,5% para 30%. Essa notícia não foi tão veiculada há época, mas ganhou um destaque na mídia nos últimos dias, porque alguém se recordou que no Brasil ainda temos veículos movidos somente à gasolina e surgem então as dúvidas sobre o que tamanha quantidade de álcool poderia causar aos milhões de carros e motos que dependem do puro néctar do petróleo.
Não é de hoje que proprietários de veículos antigos e novos, movidos à gasolina, sofrem com a adição do nosso querido etanol à mistura. Basta ver os perrengues que os proprietários e a montadora indiana Royal Enfield tiveram que suportar por conta do lançamento da Himalayan no Brasil, cujo computador não conseguia ajustar o motor para uma mistura tão “batizada” (mais batizada que qualquer gasolina que se pode encontrar na Índia!).
No mercado das motos, raras são as fabricantes que lançam modelos chamados Flex Fuel (que aceitam etanol até a quantidade de 100%), e esses motores geralmente estão equipando os modelos populares, de baixa cilindrada. A grande maioria das motos nas ruas é movida à gasolina.
Quando o Brasil, em 2015, resolveu dar uma “batizada” na gasolina, no melhor estilo tiozão da Pampa, que enchia o tanque meio a meio para economizar no bolso, lá nos anos 80, os testes realizados pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) detectaram que não haveria problema aos motores à gasolina com aquela mistura de 27,% de etanol, “desde que o combustível comercializado possua as mesmas características daquele enviado pela Petrobras para estes ensaios”.
Mas, agora, a coisa é diferente. Estão querendo subir mais 2,5% na medida e os especialistas já estão de cabelo em pé, porque, na prática, aquela batizada de 2015 já se mostrou prejudicial, especialmente para as motos e, claro, os carros antigos, carburados.
A revista Auto Esporte foi procurar o diretor de Combustíveis da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva), Rogério Gonçalves, que salientou que esse aumento não traria problemas para os veículos Flex, e nos veículos a gasolina, o primeiro impacto seria no consumo.
Mas, a verdade é que ninguém se atreveu a dar um diagnóstico dos outros males que esse aumento de álcool pode causar na frota de veículos à gasolina no Brasil.
Podemos tomar como exemplo a própria moto Himalayan da Royal Enfield. Será que o remapeamento da injeção eletrônica que fizeram para corrigir o transtorno sofrido nos modelos 2018/2019 será suficiente para mais 2,5% de etanol na gasolina? Ou teremos mais pistões derretidos por conta de um combustível legalmente “batizado”?
Um dos primeiros problemas que podem surgir do aumento da porcentagem de etanol é que a mistura mais "enriquecida" com nossa cachaça pode sobrecarregar a partida a frio e o motor de arranque – devido ao poder calorífico menor do etanol e o maior esforço para que o motor ligue, causando desgaste anormal nas peças.
E, uma vez ligado, o carro tende a demorar um pouco mais para esquentar. (Lembra do seu pai esquentando o carro na garagem?)
Por supuesto, que a história dos combustíveis “batizados” com o que há de melhor na cana, não é tão nova e nem é exclusividade tupiniquim, apesar dos derivados mais alcoólicos da cana-de-açúcar serem um patrimônio brasileiro, por assim dizer.
Desde 2015, no Brasil, utilizamos o chamado combustível E27, que é justamente a mistura de gasolina com 27,5% de álcool, mas a busca por combustíveis menos poluentes já chegou na gringolândia também. Na Grã Bretanha, desde 2020, a gasolina padrão é a E10, com 10% de bioetanol.
Nós até fomos ao site do governo inglês para testar se nossa querida Black Betty, uma Harley Davidson Street Glide 2012 era compatível e ficamos aliviados com a resposta. Já podemos rodar na terra do Rei Charles tranquilamente.
O que dizem os especialistas sobre o álcool na gasolina?
Em um belo artigo publicado no site da Hagerty, aquela seguradora especializada em veículos de coleção por lá, diz que o etanol é higroscópico, o que significa que ele absorve água da atmosfera. E essa água, por sua vez, encontra o seu caminho para dentro do seu carro, o que leva à condensação nos tanques de combustível, nas linhas de combustível e nos carburadores, causando corrosão em componentes de latão, cobre, chumbo, estanho e zinco.
Como o etanol também é um solvente, ele pode corroer borracha, plástico e fibra de vidro, portanto, mangueiras e vedantes são propensos a deteriorar mais rapidamente devido à maior concentração de etanol em E10. (Imagine no nosso E27 e em um futuro E30!)
Em testes do Departamento de Transporte da Grã Bretanha, foram identificados problemas, incluindo degradação de mangueiras e vedantes de combustível, filtros de combustível entupidos, bombas de combustível danificadas, carburadores corroídos, injetores bloqueados e corrosão nos tanques de combustível. A borracha é particularmente afetada.
A Federação de Clubes de Veículos Históricos Britânicos (FBHVC) chegou a produzir uma lista de materiais compatíveis com o etanol que podem ser usados como substitutos. (Aliás, vale muito ler a página da FBHVC, pois eles são muito detalhistas nas pesquisas.
Conclusão
Dando uma olhada nas pesquisas que foram feitas fora do Brasil sobre os efeitos do etanol nos veículos movidos a gasolina, podemos ver que não só já estamos sofrendo os efeitos dessa mistura em nossos veículos e, portanto, em nosso bolso, mas iremos sofrer mais ainda caso aumente ainda mais a porcentagem de “cachaça” em nossa gasolina.
Basta ver a lista de problemas indicados pelo artigo da Hagerty que percebemos o quanto isso já é reclamação constante em nossas oficinas mecânicas hoje em dia, ou você nunca teve um filtro de combustível entupido, uma bomba danificada, uma mangueira ressecada antes do tempo esperado?
E não bastasse o próprio governo estipular uma mistura pouco salutar em nossa gasolina, ainda somos obrigados a suportar a desonestidade de alguns donos de postos de combustíveis que, a despeito da coisa já vir batizada de fábrica, ainda fazem sua misturinha mágica para render mais em seus bolsos. Mas isso é um tema para outra matéria que pode nos custar até mesmo o sono tranquilo.
Mas nem tudo são trevas. Você pode optar por combustíveis premium de alta octanagem, que possuem 25% de etanol em sua mistura. São mais caros, mas a probabilidade de danos em seu veículo será menor. Então, aqui no Brasil, paga-se mais na hora para tentar evitar gastar mais no futuro. E assim segue a vida.
São elas:
98 octanas RON (Shell V-Power Racing)
102 octanas RON (Petrobrás Podium)
102 octanas RON (Ipiranga Octapro)
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