Existem inúmeras músicas de todos os gêneros que falam de sonhos impossíveis. De Aerosmith a Maria Bethânia, todos falam de um impossível que pode ser alcançado se você sonhar direitinho. Raul Seixas, que é um cara incompreendido, mas que escrevia coisas interessantíssimas, também já dizia para tentar outra vez.
Mas, daí vem a Harley Davidson e mete uma moto no mercado nacional que supera a casa dos R$ 240 mil e a bigorna da realidade de um país em crescente inflação e sensível crise econômica nos joga na cara que, talvez, alguns sonhos, ainda que possíveis, circulam no reino do improvável. Será?
A Road Glide CVO ST, que acompanha as novas Street Glide e Road Glide, digamos, normais, que desembarca nas concessionárias nesse último mês, custa quase o mesmo que uma Hilux e, claro, no nosso caso, toca muito mais fundo no coração do que uma picape japonesa.
Amamos motos customs e clássicas e somos entusiastas de longa data dessa marca americana que faz de tudo para esvaziar os nossos bolsos em troca de sonhos, nem sempre livres de um pesadelo ou outro, no desenrolar dos quilômetros da vida.
Vamos, contudo, fazer uma análise crua da situação. As novas motos da Harley estão muito caras? A meu ver, sim e não.
Para mim, jornalista, editor de uma pequena revista digital, pai de família, essas motos estão caras. Minhas prioridades não me permitem essa aventura, como também acho caro um lanche do McDonald’s, pelo que ele é. E, certamente, para a grande maioria dos entusiastas, elas estejam realmente caras aqui no país do ziriguidum e do futebol, e das eternas soluções econômicas mirabolantes.
Outro caso: se você é daqueles que veem o preço do veículo já pensando na revenda, seria imprudente investir em uma moto com esse valor. Mas a proposta da Harley Davidson não é ser uma moto que você vá trocando a cada ano, mas sim, um veículo que você compra de forma meio que definitiva.
E aqui vou fazer um grande parêntese: eu sei, você vai falar que eles vivem de lucro e que estão doidos para que o consumidor se pendure nos financiamentos da marca, a cada lançamento de coleção. Isso é óbvio! É uma empresa! Mas eles mesmos sabem que seus veículos são duradouros e que são poucos aqueles que vivem trocando, todos os anos, de moto.
Terminado o parêntese, quando se fala nos modelos Custom Vehicle Operations (CVO), que trazem a melhor tecnologia já pensada pela Harley Davidson para suas motos, a tendência é a compra única, definitiva.
Se as Harleys, especialmente as touring (essas motos grandonas da marca, para quem não está acostumado ao universo custom), já são motos premium, quanto mais os modelos CVO, que são o que eles fabricam de melhor, de maneira quase que artesanal, em pequeno número.
Essas motos, portanto, são produtos caros, destinados a poucas pessoas que sabem e podem valorizar o que elas são. Mas, elas não vivem no mundo da irrealidade. É só ver o tanto de Toyota Hilux que anda nas ruas das cidades do Brasil. E, cá pra nós, entre uma picape japonesa e uma Road Glide CVO ST, eu fico com a moto, se eu tivesse habilidade financeira para tanto.
Por isso, tudo depende do ponto de vista do observador, como já nos ensinava Albert Einstein em sua teoria mais famosa.
Se eu não sou produtor rural e sequer preciso de um veículo utilitário, porque eu compraria uma Hilux, senão pelo prazer de dirigir uma caminhonete em meio ao trânsito infernal do dia a dia?
Ou seja, tem muita gente podendo escolher como gastar seus 240 mil reais por aí.
Quanto aos modelos da linha normal, por assim dizer, como as novas Street Glide e Road Glide 2024 que chegaram às lojas, o preço não se alterou tanto em relação àquilo que a Harley Davidson já praticava nos últimos anos e, pensando que elas custam pouco mais que um carro automático de entrada, de qualquer marca, elas não são impossíveis.
Mas, antes que você venha dizer que eu estou passando pano para a marca, porque sou um entusiasta, ou que estou deslumbrado e fora da realidade do brasileiro… lembre-se de que falei que tudo depende do ponto de vista do observador. Einstein, sacou?!
É óbvio que num país em que a grande maioria da população não ganha 100 mil Reais nem em um ano inteiro de trabalho, e o pior, estão muito longe disso, essas motos são caras.
Mas, comparando-as com o mercado de carros, elas até justificam custar o que custam. Lembre-se que Harley Davidson não é uma moto para o dia a dia. Ela é um objeto de luxo, de desejo. E aqui eu não estou falando que as HD são motos incríveis e perfeitas, ao contrário, só estou dizendo que a marca optou por um nicho específico.
Em contrapartida, o nosso mercado voltou a ser alvo de marcas asiáticas que estão trazendo motos custom com valores bem mais adequados ao cenário nacional, como, por exemplo, a chegada da nova Super Meteor 650 da indiana Royal Enfield, vendida na casa dos R$ 33 mil.
Além disso, tem as marcas de motos clássicas (se a sua pegada não for exclusivamente custom). Montadoras como a inglesa Triumph, por exemplo, trazem motos tão maravilhosas quanto as Harleys, por valores bem menores, metade do preço de uma Harley mais barata.
Uma belíssima Bonneville T120 Black, moto tão icônica quanto uma Harley, não chega aos R$ 64 mil, e faz tão bonito na pista quanto uma bela Low Rider. Portanto, percebemos novamente que a questão é o observador.
Isto é, se o cara tem condições financeiras para tal e deseja ter uma moto premium, ele vai escolher pelo estilo que mais lhe agrada, da mesma forma que escolheria entre comprar um Citroen C4 ou uma Toyota Hilux.
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